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6 de março de 2013

REVISANDO A HISTORIOGRAFIA E AS NOVAS TEMÁTICAS PARA O ENSINO DE HISTÓRIA NAS ESCOLAS.


História como disciplina na Educação Básica:

A História enquanto disciplina escolar nos remete ao conhecimento do passado do homem, onde estão incluídas as primeiras relações humanas que remontam a vida dos hominídeos durante a Pré-História, o surgimento e desenvolvimento das primeiras civilizações em diferentes aspectos e organizações sociais, os processos, conceitos e fatos que determinaram transformações sociais, que como aponta o historiador Fenand Braudel, admite uma História de longa duração com rupturas e permanências de um passado onde o homem, a cultura e os feitos humanos se colocam como o objeto de estudo do historiador.
No entanto, esta perspectiva se apresenta como uma Nova História que buscou romper com a História Tradicional, que durante séculos esteve presente na educação e nas escolas. A História Tradicional teve como base o positivismo no século XIX, onde o factual, a curta duração, a história dos grandes feitos, a perspectiva universal, o foco em documentos e a transcrição do passado tal como foi se tornavam ferramentas fundamentais do oficio do historiador. Neste contexto, o nacionalismo, as datas, os heróis fizeram parte de uma História preocupada com a manutenção das relações de dominação estabelecidas, que excluía e não dialogava com a diversidade cultural, com as diferenças étnicas, com a resistência dos povos escravizados, nem com o que posteriormente caracterizou-se como História Social – discutida pelo historiador Peter Burke.
De fato, a Escola dos Ánnales, fundada na França em 1930 por Marc Bloc e Lucien Febvre, romperam com a História Tradicional positivista trazendo uma nova perspectiva histórica que incluía o estudo das mentalidades, o conceitos de longa duração do tempo histórico, o diálogo com a Antropologia e Ciências Sociais, e a análise de novas fontes históricas como a oralidades, obras de arte, filmes, fotografias, que ampliaram a interpretação histórica, as ferramentas do historiador e seu próprio oficio, do qual incluía-se uma visão crítica do objeto e dos sujeitos históricos.
Romper com a História Tradicional implica também em romper com a didática tradicional e repensar o currículo de História nas escolas. No que se refere ao papel do professor de História, que também integra sua função como historiador, é importante observar que ensinar História implica em introduzir o aluno a diversidade histórica, as contradições, transformações, permanências, criando um ambiente, onde o aluno seja capaz de problematizar, abstrair e compreender o tempo passado e o presente.
Embora a didática esteja relacionada com a aquisição resultados a partir da transposição do conteúdo em conhecimento, o desafio do Professor de História hoje está em utilizar recursos e estratégias de ensino que articule o fazer histórico e o fazer pedagógico frente às novas inovações tecnológicas. A problematização, a construção de conceitos, a análise causal, o contexto temporal e a utilização do documento histórico são mecanismos fundamentais do ensino de História e devem estar presentes em sala de aula como forma de despertar o interesse dos alunos a partir de indagações ao objeto de estudo (Por quê? Como? Onde? Quando? Que sujeitos históricos estiveram envolvidos?), além de levar o educando a compreensão das continuidades e descontinuidades que envolvem a vida social, o comportamento humano, hábitos culturais, relações de dominação, políticas e etc.
Todo conceito é criado e deve ser utilizado pelo professor como forma de levar o aluno a analisar, comparar e construir sua própria síntese do fato histórico. Compreender as múltiplas temporalidades das sociedades e tornar inteligível a aprendizagem da cronologia é um desafio do ensino de História, que pode ter como auxílio didático-pedagógico a reflexão, crítica, descrição e análise de documentos históricos em sala de aula.
A utilização de recursos multimídia como filmes, computadores, internet, jogos, podem ser estratégias didáticas interessantes para integrar o ensino de História ao cotidiano da geração digital. A integração do professor aos recursos multimídia permite a criação de blogs educativos para disponibilização de material didático, trechos de filmes e documentos, além da criação de exercícios com estes recursos que possibilitam o debate e a resposta das atividades em fórum de discussão entre a turma, tornando o ensino de História presente no dia a dia do aluno, e ao mesmo tempo ampliando as fronteiras da educação e da própria História.
         Outra sugestão interessante é a criação de vídeos sobre determinado fato histórico com os alunos, onde a produção, pesquisa e edição nas séries iniciais como 6º Ano podem ser de responsabilidade do docente, e nas demais séries do Fundamental II (7º, 8º e 9º Ano), os vídeos passam a ser elaborados pelos próprios alunos. A apresentação ocorre de forma coletiva onde professor e aluno debatem os vídeos, figurinos, observam a pesquisa histórica realizada, divertem-se, e aprendem História de forma despojada e interessante.
         O ensino de História possui dilemas, desafios, e recursos, que com a criatividade do professor de História podem transformar a relação didático- pedagógica em sala de aula, ampliar as ferramentas do conhecimento dos alunos, contribuindo para um ensino voltado para a visão crítica e formação cidadã. 

Historiografia, livros didáticos e diferentes linguagens no ensino de História:


O livro didático é um material básico do professor e do ensino de História, um suporte básico e sistematizador de conteúdos elencados pelas propostas curriculares, assumindo um papel de reposição do saber acadêmico para o saber escolar. Neste sentido, o livro didático cria padrões linguísticos, conceituais e realiza seleções de imagens e documentos, que transmite valores, ideologia e cultura, muitas vezes, reproduzindo estereótipos e valores da cultura dominante.
Muitos pesquisadores da área observam duas características fundamentais do livro didático: a primeira o coloca como uma mercadoria de comercialização favorecendo ao capital, e a outra como um depositário de conteúdos, onde torna-se necessário realizar uma reflexão crítica sobre o conteúdo, ilustrações e documentos existentes na obra, buscando desta maneira romper com possíveis generalizações temáticas, com o tradicionalismos historiográfico, etnocentrismos e ideais de dominação.
Nesta perspectiva, estudos de Circe Bittencourt sobre ilustrações em livros didáticos, demonstram que os grupos indígenas na maioria das vezes são representados como selvagens a partir de cenas escolhidas por guerras e rituais antropofágicos, cuja a proposta é ressaltar a importância do ideal civilizador disseminado pelos jesuítas na colonização, fortalecendo a ideologia cristã e européia em contraposição a visão primitiva e antropofágica dos indígenas brasileiras. A autora aponta que alguns autores tem realizado um esforço de romper com esta lógica, buscando apresentar o indígena através do aspecto cultural, ressaltando nas legendas a importância da diversidade das tribos indígenas e da diferença de organização social existente entre as etnias brasileiras, contrapondo a ideia de que a cultura indígena homogênea exemplificada em muitos livros pela ilustração das tabas.
O professor de História pode realizar junto com os alunos uma leitura crítica das imagens, do texto e da própria produção didática, problematizando questões, interpretando as ilustrações, considerando o livro didático como documento histórico de investigação e análise. Textos que muitas vezes são considerados de difícil leitura e compreensão pelos, são motivados pelo professor como objeto de reflexão e construção do conhecimento histórico, para a valorização de diferentes sujeitos históricos, culturas e ideologias.
Esta perspectiva de ruptura com livro didático tradicional atribui ao ensino de História o diálogo com diferentes linguagens, tais como: artigos de jornais, com a literatura ficcional, fotografia, entre outros elementos que facilitam a abstração do aluno ao tempo histórico estudando, auxiliando na compreensão da cultura, mentalidade e contextualização do fato em questão. A leitura de textos literários podem auxiliar os alunos na compreensão do tempo e espaço que não vivido por ele, introduzindo modos de viver, valores e costumes de uma época, mas cabe ao professor estabelecer as fronteiras entre a realidade histórica e a ficção literária, respeitando o limite do discurso e tendo cautela para que o aluno não construa uma visão fantasiosa da História.
Trabalhar com jornais de época e periódicos são fontes históricas importantes que pontuam acontecimentos ocorridos no período histórico estudado. A leitura, interpretação e debate sobre como o fato histórico foi noticiado, que sujeitos históricos estavam envolvidos, charges, fotografias e ilustrações presentes na noticia, e como a matéria foi escrita em outro jornal concorrente, permitem uma visão critica da imprensa como veículo de massa, possibilitando que os alunos estabeleçam uma ponte com o passado a partir da realidade impressa.
A fotografia como documento histórico é interpretada por muitos pesquisadores como o tempo real cristalizado, o que permite que o aluno tenha contato com a realidade social inserida no contexto histórico estudado. Uma análise comparativa de fotografias em espaços comuns e tempos diferentes auxilia na compreensão das transformações e permanências existentes na História, permitindo ao aluno reconstruir e observar o passado.
 
A temática da escravidão, das comunidades indígenas e das identidades no ensino de História e na escola:

        
          De acordo com a LDB no 9394, o ensino da História do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro, especialmente das matrizes indígena, africana e européia. De forma normativa, o ensino de História incorporou a temática da valorização das identidades como forma de romper com a história eurocêntrica e etnocêntrica presente na História tradicional, e reforçar o direito, a memória e a cidadania na educação.
            A ideia de uma educação cidadã e de respeito às diversidades étnicas e culturais, implicou em revisionismo histórico voltado para mudança da visão do negro e dos indígenas nos livros didáticos e na própria Histórica.
            A historiografia tradicional esteve voltada para reprodução das relações de dominação, tendo como ponto de partida a superioridade da cultura branca européia sob a cultura indígena e africana. Esta perspectiva determinou o silêncio da participação ativa de ambos os sujeitos históricos ao longo da História brasileira, ficando reduzidos ao período de colonização, escravidão e catequização, sendo apagados dos episódios de resistência, luta por direitos, de construção da cultura nacional, entre outros fatos importantes, que por desaparecidos nas brumas da História contribuíram para estereotipar o indígena e africano como selvagens, primitivos, escravos e inferiores.
            Com a lei no 10.639 sancionada em 1996, passa a ser obrigatório nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, o ensino sobre a História e Cultura Afro-Brasileira, incluindo o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinente à História do Brasil. Também passa a ser incluído no calendário escolar dia 20 de novembro como Dia Nacional da Consciência Negra.
            Em relação ao estudo da história e da cultura indígena na escola a lei nº 11.645/2008 que cria a obrigatoriedade do ensino da história e da cultura dos povos indígenas nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio do país.
            Mas de que maneira a normatização legal do reconhecimento das diferentes identidades incide na prática docente no ensino de História?
            Apesar de muitos docentes não estarem preparados ou atualizados com a temática das identidades, a educação intercultural é um caminho para compreender a importância do diálogo e conhecimento do outro, em especial, com as diferentes etnias indígenas, por exemplo, e com a diversidade da cultura afro-brasileira, de forma que se desenvolva um planejamento voltado para a relação entre o passado e o presente. È importante que o aluno compreenda que a história das comunidades indígenas e dos afrodescendentes no Brasil não foi, ela continua e pressupõe a participação de ambos os grupos étnicos na nação brasileira.
A quebra de estereótipos e de uma imagem idealizada do indígena como selvagem, e do africano como escravo, devem ser superados com atividades que reforcem as diferenças e contribuições culturais de cada grupo étnico para nossa sociedade, pontuando movimentos de resistência, de luta pelo reconhecimento da terra,  de uma educação indígena bilíngue, incorporando no ensino de História a importância do direitos, cidadania e identidade cultural.
 
Ambiente, patrimônio, memória e História Local nas escolas:

Foto da cidade de Paraty RJ: patrimônio histórico cultural.
A construção de centros de memória, projetos de revitalização de sítios históricos urbanos, instalação de núcleos de documentação e pesquisa, museus, documentários são ações voltadas para construção de um patrimônio histórico e cultural, que atualmente contempla objetos materiais e imateriais, onde incluí-se bens culturais que englobam recursos naturais, o saber- humano e o patrimônio edificado.
            A valorização dos bem culturais tem inicio na escola. O professor de História utiliza os museus e monumentos históricos espalhados pela cidade para reviver o passado e resgatar a identidade cultural local. Com a ampliação da ideia de bens culturais e inclusão de novos espaços, o aluno compreende que a memória não esta relacionada aos heróis nacionais como ditava a História tradicional, comunidades quilombolas, áreas onde ocorreram movimentos sociais como Arraial de Canudos na Bahia, a Serra da Barriga onde destacou-se o quilombo de Palmares, exemplificam a importância da preservação de uma memória multirracial, rompendo com a visão elitista de conservação e preservação de bens e valores das classes dominantes.
             Embora a Constituição de 1988 determine que o Estado proteja as diferentes manifestações populares, indígenas e afrobrasileiras, a maioria do patrimônio histórico e cultural tem sido perdido, demolido e soterrado em prol da modernização. Na relação entre passado e presente, a memória local, a fisionomia da cidade, a história de vida, experiências sociais e lutas cotidianas tem sido esquecidades diante da especulação imobiliária.
                Em 1996, no Rio de Janeiro, os proprietários de um sobrado localizado na Rua Pedro Ernesto, na Gamboa, resolveram fazer uma reforma em sua residência e nas escavações desta obra foram descobertas ossadas pertencentes aos negros ali enterrados quando o local pertencia ao antigo mercado negreiro. Após o tombamento da área e tutela da Secretaria de Cultura e IPHAN, o Cemitério dos Pretos Novos destina-se ao estudo a e pesquisa arqueológica, além de desenvolver a cultura e a arte do povo africano, realizando um estudo sobre as diferentes etnias africanas que chegavam ao Brasil como escravos.
O Cemitério dos Pretos Novos foi, entre o final do século XVIII e início do século XIX, um barracão do antigo mercado negreiro localizado no Valongo, faixa do litoral carioca que ia da Prainha à Gamboa. Neste local eram "depositados" todos os escravos que chegavam da longa viagem dos navios negreiros. Praticamente a maioria dos negros que chegava no Brasil encontrava-se muito debilitado e morria durante a viagem ou ao aportar em terra. Os escravos mortos tinham seus corpos enterrados dentro de barracões ou nos arredores do mercado – cemitério dos pretos novos. Em 1830 o mercado foi fechado, em parte pelo inconveniente das atividades e pelo mau cheiro. Na realidade, a atividade havia apenas mudado de endereço.
            Considerar a preservação do patrimônio histórico como uma questão de cidadania, implica em reconhecer que somos cidadãos de direito à memória, e temos o dever de preservar e contribuir para o rico e valioso acervo cultural do nosso país. A escola se insere como uma instituição chave nesse processo, pois contribui para a formação de cidadãos, e neste sentido, a temática da preservação ao patrimônio histórico e cultura deve ser apropriada e desenvolvida como objeto de estudo no processo de ensino-aprendizagem.
            A defesa de uma educação patrimonial estende-se a utilização de museus, bibliotecas, arquivos e espaços que são locais de memória, o que auxilia na preservação dos bens culturais como um todo, e também a historia local e ao próprio meio ambiente. Esta ação está voltada para um ensino de História preocupado com a diversidade cultural e construção de uma escola plural e cidadã.

2 comentários:

Unknown disse...

Olá Educadora Clarissa, Felicidades para toda sua casa!

Estamos aqui para convidar você a conhecer o Projeto Educadores Multiplicadores. O objetivo é unir e divulgar blog de educadores.

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Abraços, fiquemos na Paz de Deus e até breve.

IRIVAN

Prof. Carlos Sanches disse...

Parabéns pelo blog Clarissa!

Temas importantes para os alunos e toda a sociedade. Já estou seguindo o seu blog.
Quando puder, faça uma visita ao meu. O endereço é http://fontes-energeticas.blogspot.com.br

Abraço