Participe do Blog Pensando Alto!

18 de agosto de 2017

O HISTÓRICO DO CURSO DE GASTRONOMIA NO BRASIL.

Um texto interessante retirado do Trabalho de Conclusão de Curso de Lílian da Silva Leon, orientado por Clarissa F. do Rego Barros para o curso de pós-graduação em docência no Ensino Superior da Universidade Estácio de Sá, intitulado: “O PROFISSIONAL DA GASTRONOMIA E A INSERÇÃO DOCENTE NO ENSINO SUPERIOR. UMA ANÁLISE SOBRE A RELAÇÃO ENTRE TEORIA E PRÁTICA”.

Verão,óleo sobre tela do italiano ARCIMBOLDO,Giuseppe.1573.



A História da alimentação tem no homem pré-histórico um passado que exemplifica um cotidiano alimentar voltado para a caça, pesca, coleta de frutos, raízes e folhas. O tipo de alimento e forma de se alimentar contribuíram para a evolução da espécie humana, conforme Lody (2008: 32)[1], a descoberta do fogo determinou profunda transformação e avanço na vida humana. A distinção entre o cru e o cozido dá nova dimensão ao homem no diálogo do natural com o cultural, ou seja, em toda ação que, modificando a natureza, permite descobrir o que é tecnologia, técnica, instrumento para tratar o que oferece essa mesma natureza. O fogo amplia as opções dos alimentos melhorando e qualificando o que se come.
Com o avanço da História, do surgimento de novas tecnologias, e as mudanças constantes no ambiente ocorridas de forma natural ou por transformações realizadas pelo homem, novas influencias repercutiram na alimentação de todas as pessoas, que vivem em realidades diferenciadas.
“A natureza, sem dúvida, é a grande matriz doadora de alimentos e as culturas traduzem essas opções de diferentes maneiras, criando tipos de cardápios, receitas, soluções de gosto, de prazeres de ver, sentir odores, paladares e, finalmente ingerir, comer”. (LODY, 2008: 32)
No século XVIII a cozinha profissional francesa atingiu seu apogeu, marcando o inicio da Gastronomia, como a arte ou ciência que exige conhecimento e técnica de quem a executa e formação do paladar de quem a aprecia. Os cinco sentidos são solicitados em sua completude durante o consumo gastronômico. A gastronomia existe porque além da necessidade de se alimentar, o homem é um animal estético e, sobretudo, um ser social vivendo em comunidade.
A palavra “gastronomia” foi criada por Arquestratus no século IV a.C., pesquisador dos prazeres da mesa, originária dos termos gregos gaster (estômago) e nomo (lei), cuja tradução literal é “as leis do estômago”. O termo adquiriu um caráter mais abrangente no século XVIII, com BrillatSavarin, um estudioso francês, amante da boa mesa.
“Quando o homem aprendeu a cozinhar os alimentos, surgiu uma profunda diferença entre ele e os outros animais. Cozinhando, descobriu que podia restaurar o local natural da caça, acrescentar-lhe sabores, e torna-la mais digerível. Verificou também que as temperaturas elevadas liberam sabores e odores, ao contrário do frio, que os sintetiza ou anula. Percebeu ainda, que cocção retardava a decomposição dos alimentos, prolongando o tempo, em que podiam ser consumidos. Identificava assim, a primeira técnica de conservação”. (FRANCO, 2001:16)[2]
A cocção, as primeiras técnicas de conservação dos alimentos e, sobretudo, diferentes fatores históricos influenciaram os hábitos alimentares e a elaboração de novas culturas alimentares.
No século XV/XVI, as trocas alimentares, e a presença das especiarias na alimentação, como temperos, frutas, óleos, influenciaram nas maneiras de preparar carnes de pescados, e ainda nas tecnologias de assar, fritar, cozinhar e incluir ingredientes crus, apontavam para a geração de novas cozinhas, de novas relações com o profundo ato biológico e simbólico que é o de comer. (LODY, 2008:37)
Os hábitos alimentares também se relacionam diretamente com a regionalidade, transformando a cultura popular, promovendo a socialização através das festas e dos pratos típicos. No entanto, o gosto que muitos acreditam ser próprio, é uma constelação de extrema complexidade na qual entram em jogo, além da identidade indissiocrática, fatores como: sexo, idade, nacionalidade, religião, grau de instrução, nível de renda, classe e origem sociais. (FRANCO, 2011: 25)
Conhecer as raízes da culinária nacional permite a compreensão da História e das origens culturais de uma nação. O frango, tal como o milho, a mandioca e os vegetais, são patrimônios culturais da América e estão totalmente ligados ao povo brasileiro. A mandioca é um alimento muito consumido pelos indígenas, que foi incluído no cardápio português após a colonização.
Com a industrialização, no século XVIII, surgiram os produtos em conserva, como forma de ampliar o mercado de alimentos, acelerando o consumo e transformando a cultura alimentar e os hábitos da sociedade. A comida era preservada para durar meses em recipientes lacrados. Este foi um período da História européia, onde a Revolução Industrial impulsionou o neocolonialismo na África e Ásia em busca de matéria-prima, mão de obra barata e mercado consumidor, tendo em vista a ampliação das relações capitalistas industriais.
A busca predatória dos países europeus por mercados consumidores e matérias-primas em outros continentes desencadeou conflitos armados. Garantir a comida dos soldados se tornou uma preocupação central dos países imperialistas. Em 1795, o governo francês ofereceu um prêmio a quem desenvolvesse uma maneira de conservar comida. O produto deveria ser barato, fácil de transportar, saboroso e nutritivo. O jornalista Tom Standage (2010)[3], autor do livro “Uma história comestível da humanidade”, conta que era comum  que o alimento sofresse uma rápida decomposição nos primeiros produtos em conserva. A sociedade da época vivia a ideia da “geração espontânea”, e demorou a compreender a importância da higiene e da descontaminação nos produtos industrializados.
Nicolas Appert, um chef de cozinha da época, ganhou o prêmio e conseguiu aperfeiçoar a tradicional ração militar de carne salgada e biscoitos secos. A técnica criada por ele, determinava que as substâncias que deveriam ser preservadas eram colocadas nos frascos ou garrafas e fechados com cuidado, pois o sucesso dependia, principalmente, da vedação. Depois, os produtos eram submetidas à ação de água fervente, em banho-maria. “Ele listou os tempos necessários para ferver diferentes alimentos, o que durava horas. Inventou seu método a partir de experimentos e não tinha ideia de por que ele funcionava”, conta Standage (2010).
Assim surgiram os primeiros alimentos em conserva, e o mundo foi se adaptando a esta nova forma de alimentação.
E no século XX, após a 2ª Guerra Mundial, embora a conjuntura mundial tenha iniciado tempos de bipolaridade política[4], os EUA saem da guerra como um país de liderança no mundo capitalista, cujo objetivo é solidificar a hegemonia através da imposição do “América Way of Life[5]. E neste cenário começam a aparecer a sociedade dos fast foods. O hambúrguer, a batata frita e refrigerante surgiram na década de 1950 nos Estados Unidos, transformando o ritmo de vida das pessoas, acelerando o tempo em função do avanço da indústria, ditando o tempo das refeições a partir do tempo do trabalho.
O professor titular de História do Brasil e coordenador do grupo de pesquisa de História e Cultura da Alimentação da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Carlos Antunes, explica que a velocidade do cotidiano e passou a ser associada à necessidade de não perder dinheiro, a alimentação vira uma parte trivial da rotina. “É nessa época também que as refeições deixam o ambiente doméstico – por conta da popularização do carro, as famílias começam a comer fora”, complementa Antunes. E de fato, os irmãos McDonald foram pioneiros neste quesito. Depois de consolidados nos Estados Unidos, conquistaram a Europa da década de 1970 e em seguida o resto do mundo.
Na Europa, o cenário foi semelhante aos EUA. Os anos 1950 representaram uma transformação na sociedade. Surgiram, em especial na França, os bistrôs, que têm um número menor de pratos no cardápio e são conhecidos por servirem refeições mais rapidamente.
Atualmente, a ideia do capitalismo sustentável em oposição ao capitalismo predatório, tenta amenizar os impactos no meio ambiente através de mudanças nos hábitos cotidianos e alimentares da sociedade. Alimentação saudável, com verduras e legumes orgânicos, exercícios físicos regulares, retomam os cuidados com a saúde criando novas tendências de mercado e aos segmentos alimentícios. “É uma tentativa que os restaurantes fast-food estão fazendo para se readaptar ao perfil do consumidor de hoje”, finaliza Antunes.
Até o século XIX a história da alimentação foi muitas vezes confundida e limitada apenas à história de alguns alimentos. Entretanto, “o gosto diferenciado é o que caracteriza os diferentes povos e as diferentes épocas de uma mesma cultura”. Por meio do aprimoramento de técnicas e criações culinárias, que refletem a expressão “técnica material e inventividade artística”, podemos identificar a maturidade de uma cultura (CARNEIRO, 2003, p. 124-125)[6]. O conhecimento acumulado pela humanidade das técnicas e criações culinárias, seja por meio de manuais e livros de receitas, seja pelas informações transmitidas de geração a geração, passou a ser ensinado, a partir do século XIX, de maneira sistematizada nas escolas de Gastronomia.
Embora a presença de um chef de cozinha não seja obrigatória nos restaurantes do país, a demanda por esse profissional cresce a cada ano. Isso porque a forte concorrência do mercado exige que os estabelecimentos elaborem cardápios cada vez mais atraentes e ofereçam comida de qualidade. Além disso, o nível de exigência dos clientes também obriga a melhorar o nível dos serviços. Esse cenário se torna favorável para a ampliação dos profissionais formados em Gastronomia. Eles também são contratados para atuar como consultores na abertura ou reestruturação de restaurantes, e podem empreender, abrindo seu próprio negócio no ramo. Outra área que se destaca é a de catering, em que o profissional cria o buffet e cozinha em um evento. Existem até condomínios de luxo com área gourmet que contratam o chef para se encarregar do cardápio de festas nos finais de semana e durante as férias.
Tendo em vista a diversidade de profissionais da área de Gastronomia sob as diferentes demandas e frentes no mercado de trabalho, torna-se necessária uma reflexão sobre o perfil do gastrólogo para compreensão da importância da capacitação do docente em gastronomia.



[1] LODY, Raul. Brasil bom de boca: temas da antropologia da alimentação. – São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2008.
[2] FRANCO, Ariovaldo. De Caçador a Gourmet - Uma História da Gastronomia. Editora: SENAC: SP, 2001.
[3] SATANDAGE, Tom. Uma história comestível da humanidade. Zahar, SP: 2010.
[4] Este parte do texto tem como referência a vitória dos EUA e URSS na 2ª Guerra Mundial contra a Alemanha nazista. EUA  - potência capitalista, e URSS – potência  socialista, passam a disputar a hegemonia mundial na Guerra Fria, conflito político, econômico e ideológico que durara até o fim da URSS e a queda do Muro de Berlim no final da década de 1980.
[5] O exemplo do funcionamento do imperialismo norte-americana através da imposição cultural à outros países por meio da literatura, do cinema e da música. Os Estados Unidos souberam beneficiar-se da lacuna de poder aberta pela crise européia do pós-guerra, e passaram a exportar seu modo de vida, o “american way of life” (estilo de vida americano). Um modo de viver expresso no alcance da felicidade a partir do consumo de produtos industrializados: rádios, eletrodomésticos, aspirador de pó, comida enlatada, carro próprio, etc.

[6] CARNEIRO, Henrique. Comida e sociedade: uma história da alimentação. Rio de Janeiro: Campus, 2003.

Nenhum comentário: