Um texto interessante retirado do Trabalho de
Conclusão de Curso de Lílian da Silva Leon, orientado por Clarissa F. do Rego Barros
para o curso de pós-graduação em docência no Ensino Superior da Universidade Estácio
de Sá, intitulado: “O PROFISSIONAL DA
GASTRONOMIA E A INSERÇÃO DOCENTE NO ENSINO SUPERIOR. UMA ANÁLISE SOBRE A
RELAÇÃO ENTRE TEORIA E PRÁTICA”.
Verão,óleo sobre tela do
italiano ARCIMBOLDO,Giuseppe.1573.
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A História da alimentação tem no homem pré-histórico um passado que exemplifica um cotidiano alimentar voltado para a caça, pesca, coleta de frutos, raízes e folhas. O tipo de alimento e forma de se alimentar contribuíram para a evolução da espécie humana, conforme Lody (2008: 32)[1], a descoberta do fogo determinou profunda transformação e avanço na vida humana. A distinção entre o cru e o cozido dá nova dimensão ao homem no diálogo do natural com o cultural, ou seja, em toda ação que, modificando a natureza, permite descobrir o que é tecnologia, técnica, instrumento para tratar o que oferece essa mesma natureza. O fogo amplia as opções dos alimentos melhorando e qualificando o que se come.
Com o avanço
da História, do surgimento de novas tecnologias, e as mudanças constantes no
ambiente ocorridas de forma natural ou por transformações realizadas pelo
homem, novas influencias repercutiram na alimentação de todas as pessoas, que
vivem em realidades diferenciadas.
“A natureza, sem dúvida, é a grande matriz
doadora de alimentos e as culturas traduzem essas opções de diferentes maneiras,
criando tipos de cardápios, receitas, soluções de gosto, de prazeres de ver,
sentir odores, paladares e, finalmente ingerir, comer”. (LODY, 2008: 32)
No século
XVIII a cozinha profissional francesa atingiu seu apogeu, marcando o inicio da
Gastronomia, como a arte ou ciência que exige conhecimento e técnica de quem a
executa e formação do paladar de quem a aprecia. Os cinco sentidos são
solicitados em sua completude durante o consumo gastronômico. A gastronomia
existe porque além da necessidade de se alimentar, o homem é um animal estético
e, sobretudo, um ser social vivendo em comunidade.
A palavra
“gastronomia” foi criada por Arquestratus no século IV a.C., pesquisador dos
prazeres da mesa, originária dos termos gregos gaster (estômago) e nomo (lei),
cuja tradução literal é “as leis do estômago”. O termo adquiriu um caráter mais
abrangente no século XVIII, com BrillatSavarin, um estudioso francês, amante da
boa mesa.
“Quando o homem aprendeu a cozinhar os alimentos, surgiu uma profunda
diferença entre ele e os outros animais. Cozinhando, descobriu que podia
restaurar o local natural da caça, acrescentar-lhe sabores, e torna-la mais
digerível. Verificou também que as temperaturas elevadas liberam sabores e
odores, ao contrário do frio, que os sintetiza ou anula. Percebeu ainda, que
cocção retardava a decomposição dos alimentos, prolongando o tempo, em que
podiam ser consumidos. Identificava assim, a primeira técnica de conservação”.
(FRANCO, 2001:16)[2]
A cocção, as
primeiras técnicas de conservação dos alimentos e, sobretudo, diferentes
fatores históricos influenciaram os hábitos alimentares e a elaboração de novas
culturas alimentares.
No século
XV/XVI, as trocas alimentares, e a presença das especiarias na alimentação,
como temperos, frutas, óleos, influenciaram nas maneiras de preparar carnes de
pescados, e ainda nas tecnologias de assar, fritar, cozinhar e incluir
ingredientes crus, apontavam para a geração de novas cozinhas, de novas
relações com o profundo ato biológico e simbólico que é o de comer. (LODY,
2008:37)
Os hábitos
alimentares também se relacionam diretamente com a regionalidade, transformando
a cultura popular, promovendo a socialização através das festas e dos pratos
típicos. No entanto, o gosto que muitos
acreditam ser próprio, é uma constelação de extrema complexidade na qual entram
em jogo, além da identidade indissiocrática, fatores como: sexo, idade,
nacionalidade, religião, grau de instrução, nível de renda, classe e origem
sociais. (FRANCO, 2011: 25)
Conhecer as
raízes da culinária nacional permite a compreensão da História e das origens
culturais de uma nação. O frango, tal como o milho, a mandioca e os vegetais,
são patrimônios culturais da América e estão totalmente ligados ao povo
brasileiro. A mandioca é um alimento muito consumido pelos indígenas, que foi
incluído no cardápio português após a colonização.
Com a
industrialização, no século XVIII, surgiram os produtos em conserva, como forma
de ampliar o mercado de alimentos, acelerando o consumo e transformando a
cultura alimentar e os hábitos da sociedade. A comida era preservada para durar
meses em recipientes lacrados. Este foi um período da História européia, onde a
Revolução Industrial impulsionou o neocolonialismo na África e Ásia em busca de
matéria-prima, mão de obra barata e mercado consumidor, tendo em vista a
ampliação das relações capitalistas industriais.
A busca
predatória dos países europeus por mercados consumidores e matérias-primas em
outros continentes desencadeou conflitos armados. Garantir a comida dos
soldados se tornou uma preocupação central dos países imperialistas. Em 1795, o
governo francês ofereceu um prêmio a quem desenvolvesse uma maneira de
conservar comida. O produto deveria ser barato, fácil de transportar, saboroso
e nutritivo. O jornalista Tom Standage (2010)[3],
autor do livro “Uma história comestível
da humanidade”, conta que era comum
que o alimento sofresse uma rápida decomposição nos primeiros produtos em conserva. A sociedade
da época vivia a ideia da “geração espontânea”, e demorou a compreender a
importância da higiene e da descontaminação nos produtos industrializados.
Nicolas
Appert, um chef de cozinha da época, ganhou o prêmio e conseguiu aperfeiçoar a
tradicional ração militar de carne salgada e biscoitos secos. A técnica criada
por ele, determinava que as substâncias que deveriam ser preservadas eram
colocadas nos frascos ou garrafas e fechados com cuidado, pois o sucesso
dependia, principalmente, da vedação. Depois, os produtos eram submetidas à
ação de água fervente, em banho-maria. “Ele
listou os tempos necessários para ferver diferentes alimentos, o que durava
horas. Inventou seu método a partir de experimentos e não tinha ideia de por
que ele funcionava”, conta Standage (2010).
Assim surgiram
os primeiros alimentos em conserva, e o mundo foi se adaptando a esta nova
forma de alimentação.
E no século
XX, após a 2ª Guerra Mundial, embora a conjuntura mundial tenha iniciado tempos
de bipolaridade política[4],
os EUA saem da guerra como um país de liderança no mundo capitalista, cujo
objetivo é solidificar a hegemonia através da imposição do “América Way of Life”[5]. E
neste cenário começam a aparecer a sociedade dos fast foods. O hambúrguer, a
batata frita e refrigerante surgiram na década de 1950 nos Estados Unidos,
transformando o ritmo de vida das pessoas, acelerando o tempo em função do
avanço da indústria, ditando o tempo das refeições a partir do tempo do
trabalho.
O professor
titular de História do Brasil e coordenador do grupo de pesquisa de História e
Cultura da Alimentação da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Carlos
Antunes, explica que a velocidade do cotidiano e passou a ser associada à
necessidade de não perder dinheiro, a alimentação vira uma parte trivial da
rotina. “É nessa época também que as
refeições deixam o ambiente doméstico – por conta da popularização do carro, as
famílias começam a comer fora”, complementa Antunes. E de fato, os irmãos
McDonald foram pioneiros neste quesito. Depois de consolidados nos Estados
Unidos, conquistaram a Europa da década de 1970 e em seguida o resto do mundo.
Na Europa, o
cenário foi semelhante aos EUA. Os anos 1950 representaram uma transformação na
sociedade. Surgiram, em especial na França, os bistrôs, que têm um número menor
de pratos no cardápio e são conhecidos por servirem refeições mais rapidamente.
Atualmente, a
ideia do capitalismo sustentável em oposição ao capitalismo predatório, tenta
amenizar os impactos no meio ambiente através de mudanças nos hábitos
cotidianos e alimentares da sociedade. Alimentação saudável, com verduras e legumes
orgânicos, exercícios físicos regulares, retomam os cuidados com a saúde
criando novas tendências de mercado e aos segmentos alimentícios. “É uma tentativa que os restaurantes
fast-food estão fazendo para se readaptar ao perfil do consumidor de hoje”,
finaliza Antunes.
Até o século
XIX a história da alimentação foi muitas vezes confundida e limitada apenas à
história de alguns alimentos. Entretanto, “o gosto diferenciado é o que
caracteriza os diferentes povos e as diferentes épocas de uma mesma cultura”.
Por meio do aprimoramento de técnicas e criações culinárias, que refletem a
expressão “técnica material e inventividade artística”, podemos identificar a
maturidade de uma cultura (CARNEIRO, 2003, p. 124-125)[6]. O
conhecimento acumulado pela humanidade das técnicas e criações culinárias, seja
por meio de manuais e livros de receitas, seja pelas informações transmitidas
de geração a geração, passou a ser ensinado, a partir do século XIX, de maneira
sistematizada nas escolas de Gastronomia.
Embora a presença
de um chef de cozinha não seja obrigatória nos restaurantes do país, a demanda
por esse profissional cresce a cada ano. Isso porque a forte concorrência do
mercado exige que os estabelecimentos elaborem cardápios cada vez mais
atraentes e ofereçam comida de qualidade. Além disso, o nível de exigência dos
clientes também obriga a melhorar o nível dos serviços. Esse cenário se torna
favorável para a ampliação dos profissionais formados em Gastronomia. Eles
também são contratados para atuar como consultores na abertura ou
reestruturação de restaurantes, e podem empreender, abrindo seu próprio negócio
no ramo. Outra área que se destaca é a de catering, em que o profissional cria
o buffet e cozinha em um evento. Existem até condomínios de luxo com área
gourmet que contratam o chef para se encarregar do cardápio de festas nos
finais de semana e durante as férias.
Tendo em vista
a diversidade de profissionais da área de Gastronomia sob as diferentes
demandas e frentes no mercado de trabalho, torna-se necessária uma reflexão
sobre o perfil do gastrólogo para compreensão da importância da capacitação do
docente em gastronomia.
[1] LODY,
Raul. Brasil bom de boca: temas da antropologia da alimentação. – São Paulo:
Editora Senac São Paulo, 2008.
[2] FRANCO, Ariovaldo. De Caçador a Gourmet - Uma História
da Gastronomia. Editora: SENAC: SP, 2001.
[3]
SATANDAGE, Tom. Uma história comestível da humanidade. Zahar, SP: 2010.
[4] Este
parte do texto tem como referência a vitória dos EUA e URSS na 2ª Guerra
Mundial contra a Alemanha nazista. EUA -
potência capitalista, e URSS – potência
socialista, passam a disputar a hegemonia mundial na Guerra Fria,
conflito político, econômico e ideológico que durara até o fim da URSS e a
queda do Muro de Berlim no final da década de 1980.
[5] O exemplo do funcionamento do imperialismo
norte-americana através da imposição cultural à outros países por meio da
literatura, do cinema e da música. Os Estados Unidos souberam beneficiar-se da
lacuna de poder aberta pela crise européia do pós-guerra, e passaram a exportar
seu modo de vida, o “american way of life” (estilo de vida americano). Um modo
de viver expresso no alcance da felicidade a partir do consumo de produtos
industrializados: rádios, eletrodomésticos, aspirador de pó, comida enlatada,
carro próprio, etc.
[6]
CARNEIRO, Henrique. Comida e sociedade: uma história da alimentação. Rio de
Janeiro: Campus, 2003.
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