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20 de setembro de 2013

Especial Nova República - Rumo ao planalto Vinte e nove anos sem votar para presidente da República, o Brasil acompanhou, voto a voto, a disputada eleição .



A imagem apresenta o movimento dos caras pintadas no epísódio de impeachment do presidente Collor em 1992.
A VISÃO DO HISTORIADOR...
Por Marly Mota. In: revista Nova História (13/01/2011)

A inflação ultrapassava 1.700% ao ano. A maioria do eleitorado nunca havia votado para presidente. Nas legendas, mais de 20 candidatos. Este era o quadro das eleições de 1989, aguardada pela população por 29 anos. De acordo com a nova Constituição do país, aprovada em 1988, a escolha presidencial, para um mandato de quatro anos, deveria se fazer em dois turnos. Diferente da de 1960, quando houve, simultaneamente, eleição para os governos estaduais e para o Congresso, a de 1989 seria uma eleição “solteira”, apenas para presidente da República.
Para alguns analistas políticos, o desencanto com a Nova República era provocado principalmente pelo fracasso dos vários planos econômicos que não conseguiram domar o dragão da inflação. Depois do breve sucesso do Plano Cruzado, de 1986, a arrancada dos preços disparou, esmagando o poder de compra dos brasileiros, especialmente dos mais pobres. Mas uma grande dúvida pairava no ar. Como se comportaria o eleitorado brasileiro? Votaria com a razão ou com a paixão? Eleger um candidato capaz de garantir a tão sonhada estabilidade econômica seria a escolha mais racional dos eleitores em 1989. Mas a paixão foi percebida por José Murilo de Carvalho logo no início da campanha eleitoral, em artigo publicado no Jornal do Brasil de 16 de julho. O mundo das paixões, dizia o historiador, se “expressa na linguagem dos sonhos, dos mitos, dos símbolos”.
À grande expectativa pela volta das eleições diretas associaram-se a insatisfação social e a crise ética provocada pelas acusações de corrupção contra o governo José Sarney. Era um tempo de desilusão, de frustração, de cólera. Aliás, havia inclusive a ameaça de que a doença infecciosa do cólera se espalhasse pelo país. Tempo que favorecia os candidatos que mexiam com a emoção popular: Leonel Brizola, Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Collor de Mello.
Leonel Brizola (1922-2004) saiu na frente nas pesquisas eleitorais. Cassado pelo golpe de 1964 como um dos principais representantes da chamada esquerda nacionalista, voltou ao país com a anistia e se elegeu governador do Rio de Janeiro em 1982. Sua aura de “salvador” na luta contra os “inimigos da pátria” tinha forte apelo em amplos setores do eleitorado. Mas logo foi ultrapassado por Fernando Collor, jovem e impetuoso político vindo de Alagoas. Com uma base regional e partidária frágil, apostou em um discurso inflamado, em que se apresentava como um herói solitário combatendo a corrupção encarnada na figura dos “marajás”. A expressão foi empregada para se referir aos funcionários que acumulavam várias aposentadorias no serviço público. Correndo por fora, vinha Lula, o líder da classe operária e fundador do Partido dos Trabalhadores (PT). Sua história pessoal de pobreza se confundia com a da maioria do povo brasileiro.
Longe de ser uma “chuva de verão”, como previam alguns, a candidatura Collor logo virou uma enxurrada. Engrossada pelo apoio de setores econômicos e sociais que viam com alívio a perspectiva de que a disputa não ficasse restrita a políticos da esquerda, a campanha “collorida” foi muito agressiva. Seu alvo principal, além dos concorrentes mais próximos, era o governo do presidente Sarney, tachado de fraco, incompetente e corrupto. Do que o Brasil precisava naquele momento? De uma mão firme para matar a inflação e a corrupção com um tiro certeiro. E a onda “collorida” se transformou em uma tsunami quando, a partir de junho, as pesquisas eleitorais anunciaram índices em torno de 40% de intenção de voto para o “caçador de marajás”.
A eleição de 15 de novembro iria definir o adversário de Collor no segundo turno. A arrancada de Lula na reta final da campanha não pôde ser contida pela candidatura de Brizola, que até então se mantinha à frente na preferência do eleitorado. Uma pequena diferença de votos garantiu a presença do líder operário do ABC paulista nas urnas para enfrentar o “fenômeno das Alagoas”.
Foi um mês eletrizante. O país se dividiu, como se acompanhasse uma partida de futebol em que um passo em falso poderia dar a vitória ao adversário no último minuto do jogo. A candidatura de Lula conseguiu a adesão dos partidos de esquerda e se beneficiou, sobretudo, da extraordinária transferência dos votos dos brizolistas, que se empenharam em derrotar o “filhote da ditadura”. Collor buscou manter o apoio das variadas e difusas camadas da população – os “descamisados”, como ele chamava – que lhe haviam garantido a vitória no primeiro turno.
A grande expectativa era em relação à atuação de Lula e Collor nos programas eleitorais apresentados na televisão. O eleitorado brasileiro teria agora a oportunidade de ver, ao vivo e em cores, um duelo sensacional. A ele, eleitor e telespectador, caberia a palavra final. Muito se fala sobre o papel que esses programas tiveram no resultado da eleição. Para muitos analistas, a exibição, no horário eleitoral gratuito, da entrevista com uma antiga namorada de Lula na qual ela o acusava de tê-la pressionado para fazer um aborto ou a edição, possivelmente tendenciosa, feita pelo “Jornal Nacional” do último debate realizado na TV Globo teriam favorecido a vitória de Collor nas urnas no dia17 de dezembro.
O novo presidente tomou posse em 15 de março de 1990, mas o governo durou pouco. Derrotado pela inflação e desmoralizado pelas acusações de corrupção, Fernando Collor de Mello tornou-se o primeiro presidente da República a sofrer um processo de impeachment. Foi definitivamente afastado do poder em 29 de dezembro de 1992. O duro aprendizado obtido na eleição de 1989 se refletiu na seguinte, em 1994, quando o eleitorado escolheu a estabilidade econômica, prometida pelo candidato Fernando Henrique Cardoso, como o caminho mais racional a ser seguido.

Antes das diretas
Varre, varre, varre, vassourinha... Jânio Quadros vem aí! Ao som desses refrões, em 3 de outubro de 1960, mais de 12 milhões de eleitores brasileiros votaram para presidente da República sob o peso da “carestia de vida”. No ano anterior, o índice de inflação chegara a quase 40%. Ao mesmo tempo, as acusações de corrupção contra o governo de Juscelino Kubitschek (1902-1976) se multiplicavam, principalmente em função dos gastos com a construção de Brasília. E Jânio Quadros (1917-1992) chegou. Empunhando uma vassoura com a promessa de “varrer a inflação e a corrupção”, derrotou, com larga vantagem de votos, o candidato governista, general Henrique Teixeira Lott (1894-1984).
Três décadas depois, eram enormes as expectativas quanto à volta da eleição direta para presidente da República, extinta pela ditadura militar por meio do Ato Institucional nº 2, de 27 de outubro de 1965. A volta das “diretas”, como se dizia à época, foi uma das mais importantes lutas do movimento pela redemocratização do país. Em abril de 1984, em torno da bandeira das “Diretas Já”, milhões de pessoas se manifestaram em comícios que ocuparam o centro das grandes cidades, como o da Candelária, no Rio de Janeiro, ou o do Anhangabaú, em São Paulo.
Foi grande a frustração popular quando, na sessão da Câmara dos Deputados do dia 25, a Emenda Constitucional que previa a volta das eleições diretas não obteve o número de votos necessário à sua aprovação. A saída institucional para o fim da ditadura militar e a transição para um governo civil foi a manutenção da eleição indireta para a escolha do sucessor do general João Batista Figueiredo (1918-1999). Amplas negociações políticas que envolveram membros do governo e da oposição garantiram a chapa Tancredo Neves (1910-1985) e José Sarney, que derrotou, no dia 15 de janeiro de 1985, aquela encabeçada por Paulo Maluf por larga maioria de votos dos membros do Colégio Eleitoral. Iniciava-se então a chamada Nova República.
Mas antes da posse do novo presidente, o país sofreu um choque: Tancredo Neves morrera em 21 de abril de 1985. Essa nova frustração era aumentada com a descrença de que o vice, José Sarney, tivesse a legitimidade necessária para enfrentar os graves problemas do Brasil, especialmente a inflação galopante que, no fim desse ano, atingiria a marca de 235%.
Havia também sérias questões políticas, como a definição da duração do mandato presidencial. Estava em vigor a determinação contida no pacote de reformas constitucionais, imposto pelo governo do general Ernesto Geisel (1907-1996) em abril de 1977, que havia ampliado de cinco para seis anos o mandato de seu sucessor, o general Figueiredo. Mantido esse preceito constitucional, a próxima eleição presidencial deveria ocorrer somente em novembro de 1990. Poucos, no entanto, acreditavam na possibilidade de Sarney ficar seis anos no Planalto. Havia até quem defendesse um mandato de transição, a se encerrar em 1988, com a convocação da Assembléia Nacional Constituinte e de eleições diretas. Acabou, porém, prevalecendo a posição da maioria parlamentar, habilmente arregimentada pelo presidente Sarney, cujo mandato, estabelecido em cinco anos, se estendeu até março de 1990.

Disponível em: http://www.revistadehistoria.com.br/secao/artigos/especial-nova-republica-rumo-ao-planalto

Marly Motta é professora do Centro de Pesquisa e Documentação em História Contemporânea do Brasil da Fundação Getulio Vargas e autora do livro Rio, cidade-capital (Editora Zahar, 2004).

Saiba Mais – Bibliografia
CARREIRÃO, Yan de Souza. A decisão de voto nas eleições presidenciais brasileiras. Florianópolis: Ed. da UFSC; Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2002.
PORTO, Walter Costa. Dicionário do voto. Brasília: Ed. da UnB; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2000.
WELTMANN-LATTMAN, Fernando; Ramos, Plínio de Abreu; Carneiro, José Alan Dias. A imprensa faz e desfaz um presidente. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1994.
Saiba mais - Filme
“Terra estrangeira”, de Walter Salles e Daniela Thomas (1997).


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