História
como disciplina na Educação Básica:
A História enquanto
disciplina escolar nos remete ao conhecimento do passado do homem, onde estão
incluídas as primeiras relações humanas que remontam a vida dos hominídeos
durante a Pré-História, o surgimento e desenvolvimento das primeiras
civilizações em diferentes aspectos e organizações sociais, os processos,
conceitos e fatos que determinaram transformações sociais, que como aponta o
historiador Fenand Braudel, admite uma História de longa duração com rupturas e
permanências de um passado onde o homem, a cultura e os feitos humanos se
colocam como o objeto de estudo do historiador.
No entanto, esta
perspectiva se apresenta como uma Nova
História que buscou romper com a História Tradicional, que durante séculos
esteve presente na educação e nas escolas. A História Tradicional teve como
base o positivismo no século XIX, onde o factual, a curta duração, a história
dos grandes feitos, a perspectiva universal, o foco em documentos e a
transcrição do passado tal como foi se tornavam ferramentas fundamentais do
oficio do historiador. Neste contexto, o nacionalismo, as datas, os heróis
fizeram parte de uma História preocupada com a manutenção das relações de
dominação estabelecidas, que excluía e não dialogava com a diversidade
cultural, com as diferenças étnicas, com a resistência dos povos escravizados,
nem com o que posteriormente caracterizou-se como História Social – discutida
pelo historiador Peter Burke.
De fato, a Escola dos
Ánnales, fundada na França em 1930 por Marc Bloc e Lucien Febvre, romperam com
a História Tradicional positivista trazendo uma nova perspectiva histórica que
incluía o estudo das mentalidades, o conceitos de longa duração do tempo
histórico, o diálogo com a Antropologia e Ciências Sociais, e a análise de
novas fontes históricas como a oralidades, obras de arte, filmes, fotografias,
que ampliaram a interpretação histórica, as ferramentas do historiador e seu
próprio oficio, do qual incluía-se uma visão crítica do objeto e dos sujeitos
históricos.
Romper com a História Tradicional
implica também em romper com a didática tradicional e repensar o currículo de
História nas escolas. No que se refere ao papel do professor de História, que
também integra sua função como historiador, é importante observar que ensinar
História implica em introduzir o aluno a diversidade histórica, as
contradições, transformações, permanências, criando um ambiente, onde o aluno
seja capaz de problematizar, abstrair e compreender o tempo passado e o
presente.
Embora a didática
esteja relacionada com a aquisição resultados a partir da transposição do
conteúdo em conhecimento, o desafio do Professor de História hoje está em
utilizar recursos e estratégias de ensino que articule o fazer histórico e o
fazer pedagógico frente às novas inovações tecnológicas. A problematização, a
construção de conceitos, a análise causal, o contexto temporal e a utilização
do documento histórico são mecanismos fundamentais do ensino de História e
devem estar presentes em sala de aula como forma de despertar o interesse dos
alunos a partir de indagações ao objeto de estudo (Por quê? Como? Onde? Quando?
Que sujeitos históricos estiveram envolvidos?), além de levar o educando a
compreensão das continuidades e descontinuidades que envolvem a vida social, o
comportamento humano, hábitos culturais, relações de dominação, políticas e
etc.
Todo conceito é criado
e deve ser utilizado pelo professor como forma de levar o aluno a analisar,
comparar e construir sua própria síntese do fato histórico. Compreender as
múltiplas temporalidades das sociedades e tornar inteligível a aprendizagem da
cronologia é um desafio do ensino de História, que pode ter como auxílio
didático-pedagógico a reflexão, crítica, descrição e análise de documentos
históricos em sala de aula.
A utilização de
recursos multimídia como filmes, computadores, internet, jogos, podem ser
estratégias didáticas interessantes para integrar o ensino de História ao
cotidiano da geração digital. A integração do professor aos recursos multimídia
permite a criação de blogs educativos para disponibilização de material
didático, trechos de filmes e documentos, além da criação de exercícios com
estes recursos que possibilitam o debate e a resposta das atividades em fórum
de discussão entre a turma, tornando o ensino de História presente no dia a dia
do aluno, e ao mesmo tempo ampliando as fronteiras da educação e da própria
História.
Outra sugestão
interessante é a criação de vídeos sobre determinado fato histórico com os
alunos, onde a produção, pesquisa e edição nas séries iniciais como 6º Ano
podem ser de responsabilidade do docente, e nas demais séries do Fundamental II
(7º, 8º e 9º Ano), os vídeos passam a ser elaborados pelos próprios alunos. A
apresentação ocorre de forma coletiva onde professor e aluno debatem os vídeos,
figurinos, observam a pesquisa histórica realizada, divertem-se, e aprendem
História de forma despojada e interessante.
O ensino de História
possui dilemas, desafios, e recursos, que com a criatividade do professor de
História podem transformar a relação didático- pedagógica em sala de aula,
ampliar as ferramentas do conhecimento dos alunos, contribuindo para um ensino
voltado para a visão crítica e formação cidadã.
Historiografia, livros didáticos e
diferentes linguagens no ensino de História:
O
livro didático é um material básico do professor e do ensino de História, um
suporte básico e sistematizador de conteúdos elencados pelas propostas
curriculares, assumindo um papel de reposição do saber acadêmico para o saber
escolar. Neste sentido, o livro didático cria padrões linguísticos, conceituais
e realiza seleções de imagens e documentos, que transmite valores, ideologia e
cultura, muitas vezes, reproduzindo estereótipos e valores da cultura
dominante.
Muitos
pesquisadores da área observam duas características fundamentais do livro
didático: a primeira o coloca como uma mercadoria de comercialização
favorecendo ao capital, e a outra como um depositário
de conteúdos, onde torna-se necessário realizar uma reflexão crítica sobre
o conteúdo, ilustrações e documentos existentes na obra, buscando desta maneira
romper com possíveis generalizações temáticas, com o tradicionalismos
historiográfico, etnocentrismos e ideais de dominação.
Nesta
perspectiva, estudos de Circe Bittencourt sobre ilustrações em livros
didáticos, demonstram que os grupos indígenas na maioria das vezes são
representados como selvagens a partir de cenas escolhidas por guerras e rituais
antropofágicos, cuja a proposta é ressaltar a importância do ideal civilizador
disseminado pelos jesuítas na colonização, fortalecendo a ideologia cristã e
européia em contraposição a visão primitiva e antropofágica dos indígenas
brasileiras. A autora aponta que alguns autores tem realizado um esforço de
romper com esta lógica, buscando apresentar o indígena através do aspecto
cultural, ressaltando nas legendas a importância da diversidade das tribos
indígenas e da diferença de organização social existente entre as etnias
brasileiras, contrapondo a ideia de que a cultura indígena homogênea exemplificada
em muitos livros pela ilustração das tabas.
O
professor de História pode realizar junto com os alunos uma leitura crítica das
imagens, do texto e da própria produção didática, problematizando questões,
interpretando as ilustrações, considerando o livro didático como documento
histórico de investigação e análise. Textos que muitas vezes são considerados
de difícil leitura e compreensão pelos, são motivados pelo professor como
objeto de reflexão e construção do conhecimento histórico, para a valorização
de diferentes sujeitos históricos, culturas e ideologias.
Esta
perspectiva de ruptura com livro didático tradicional atribui ao ensino de
História o diálogo com diferentes linguagens, tais como: artigos de jornais,
com a literatura ficcional, fotografia, entre outros elementos que facilitam a
abstração do aluno ao tempo histórico estudando, auxiliando na compreensão da
cultura, mentalidade e contextualização do fato em questão. A leitura de textos
literários podem auxiliar os alunos na compreensão do tempo e espaço que não
vivido por ele, introduzindo modos de viver, valores e costumes de uma época,
mas cabe ao professor estabelecer as fronteiras entre a realidade histórica e a
ficção literária, respeitando o limite do discurso e tendo cautela para que o
aluno não construa uma visão fantasiosa da História.
Trabalhar
com jornais de época e periódicos são fontes históricas importantes que pontuam
acontecimentos ocorridos no período histórico estudado. A leitura,
interpretação e debate sobre como o fato histórico foi noticiado, que sujeitos
históricos estavam envolvidos, charges, fotografias e ilustrações presentes na
noticia, e como a matéria foi escrita em outro jornal concorrente, permitem uma
visão critica da imprensa como veículo de massa, possibilitando que os alunos
estabeleçam uma ponte com o passado a partir da realidade impressa.
A
fotografia como documento histórico é interpretada por muitos pesquisadores
como o tempo real cristalizado, o que
permite que o aluno tenha contato com a realidade social inserida no contexto
histórico estudado. Uma análise comparativa de fotografias em espaços comuns e
tempos diferentes auxilia na compreensão das transformações e permanências
existentes na História, permitindo ao aluno reconstruir e observar o passado.
A
temática da escravidão, das comunidades indígenas e das identidades no ensino
de História e na escola:
De
acordo com a LDB no 9394, o
ensino da História do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes
culturas e etnias para a formação do povo brasileiro, especialmente das
matrizes indígena, africana e européia. De forma normativa, o ensino de
História incorporou a temática da valorização das identidades como forma de
romper com a história eurocêntrica e etnocêntrica presente na História
tradicional, e reforçar o direito, a memória e a cidadania na educação.
A
ideia de uma educação cidadã e de respeito às diversidades étnicas e culturais,
implicou em revisionismo histórico voltado para mudança da visão do negro e dos
indígenas nos livros didáticos e na própria Histórica.
A
historiografia tradicional esteve voltada para reprodução das relações de
dominação, tendo como ponto de partida a superioridade da cultura branca européia
sob a cultura indígena e africana. Esta perspectiva determinou o silêncio da
participação ativa de ambos os sujeitos históricos ao longo da História
brasileira, ficando reduzidos ao período de colonização, escravidão e
catequização, sendo apagados dos episódios de resistência, luta por direitos,
de construção da cultura nacional, entre outros fatos importantes, que por
desaparecidos nas brumas da História contribuíram para estereotipar o indígena
e africano como selvagens, primitivos, escravos e inferiores.
Com a lei no 10.639
sancionada em 1996, passa a ser obrigatório nos estabelecimentos de ensino
fundamental e médio, oficiais e particulares, o ensino sobre a História e
Cultura Afro-Brasileira, incluindo o estudo da História da África e dos Africanos,
a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação
da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas
social, econômica e política pertinente à História do Brasil. Também passa a
ser incluído no calendário escolar dia 20 de novembro como Dia Nacional da
Consciência Negra.
Em
relação ao estudo da história e da cultura indígena na escola a lei nº
11.645/2008 que cria a obrigatoriedade do ensino da história e da cultura dos
povos indígenas nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio do país.
Mas
de que maneira a normatização legal do reconhecimento das diferentes
identidades incide na prática docente no ensino de História?
Apesar
de muitos docentes não estarem preparados ou atualizados com a temática das
identidades, a educação intercultural é um caminho para compreender a
importância do diálogo e conhecimento do outro, em especial, com as diferentes
etnias indígenas, por exemplo, e com a diversidade da cultura afro-brasileira,
de forma que se desenvolva um planejamento voltado para a relação entre o
passado e o presente. È importante que o aluno compreenda que a história das
comunidades indígenas e dos afrodescendentes no Brasil não foi, ela continua e
pressupõe a participação de ambos os grupos étnicos na nação brasileira.
A quebra de
estereótipos e de uma imagem idealizada do indígena como selvagem, e do
africano como escravo, devem ser superados com atividades que reforcem as
diferenças e contribuições culturais de cada grupo étnico para nossa sociedade,
pontuando movimentos de resistência, de luta pelo reconhecimento da terra, de uma educação indígena bilíngue,
incorporando no ensino de História a importância do direitos, cidadania e
identidade cultural.
Ambiente,
patrimônio, memória e História Local nas escolas:
Foto da cidade de Paraty RJ: patrimônio histórico cultural. |
A construção de centros
de memória, projetos de
revitalização de sítios históricos urbanos, instalação de núcleos de
documentação e pesquisa, museus, documentários são ações voltadas para
construção de um patrimônio histórico e cultural, que atualmente contempla
objetos materiais e imateriais, onde incluí-se bens culturais que englobam
recursos naturais, o saber- humano e o patrimônio edificado.
A
valorização dos bem culturais tem inicio na escola. O professor de História
utiliza os museus e monumentos históricos espalhados pela cidade para reviver o
passado e resgatar a identidade cultural local. Com a ampliação da ideia de
bens culturais e inclusão de novos espaços, o aluno compreende que a memória
não esta relacionada aos heróis nacionais como ditava a História tradicional,
comunidades quilombolas, áreas onde ocorreram movimentos sociais como Arraial
de Canudos na Bahia, a Serra da Barriga onde destacou-se o quilombo de
Palmares, exemplificam a importância da preservação de uma memória
multirracial, rompendo com a visão elitista de conservação e preservação de
bens e valores das classes dominantes.
Embora a Constituição de 1988 determine que o
Estado proteja as diferentes manifestações populares, indígenas e
afrobrasileiras, a maioria do patrimônio histórico e cultural tem sido perdido,
demolido e soterrado em prol da modernização. Na relação entre passado e
presente, a memória local, a fisionomia da cidade, a história de vida,
experiências sociais e lutas cotidianas tem sido esquecidades diante da
especulação imobiliária.
Em
1996, no Rio de Janeiro, os proprietários de um sobrado localizado na Rua Pedro
Ernesto, na Gamboa, resolveram fazer uma reforma em sua residência e nas
escavações desta obra foram descobertas ossadas pertencentes aos negros ali
enterrados quando o local pertencia ao antigo mercado negreiro. Após o
tombamento da área e tutela da Secretaria de Cultura e IPHAN, o Cemitério dos
Pretos Novos destina-se ao estudo a e pesquisa arqueológica, além de
desenvolver a cultura e a arte do povo africano, realizando um estudo sobre as
diferentes etnias africanas que chegavam ao Brasil como escravos.
O Cemitério dos Pretos
Novos foi, entre o final do século XVIII e início do século XIX, um barracão do
antigo mercado negreiro localizado no Valongo,
faixa do litoral carioca que ia da Prainha à Gamboa.
Neste local eram "depositados" todos os escravos que chegavam da
longa viagem dos navios negreiros. Praticamente a maioria dos negros que chegava
no Brasil encontrava-se muito debilitado e morria durante a viagem ou ao
aportar em terra. Os escravos mortos tinham seus corpos enterrados dentro de
barracões ou nos arredores do mercado – cemitério dos pretos novos. Em 1830 o
mercado foi fechado, em parte pelo inconveniente das atividades e pelo mau
cheiro. Na realidade, a atividade havia apenas mudado de endereço.
Considerar
a preservação do patrimônio histórico como uma questão de cidadania, implica em
reconhecer que somos cidadãos de direito à memória, e temos o dever de
preservar e contribuir para o rico e valioso acervo cultural do nosso país. A
escola se insere como uma instituição chave nesse processo, pois contribui para
a formação de cidadãos, e neste sentido, a temática da preservação ao
patrimônio histórico e cultura deve ser apropriada e desenvolvida como objeto
de estudo no processo de ensino-aprendizagem.
A
defesa de uma educação patrimonial estende-se a utilização de museus,
bibliotecas, arquivos e espaços que são locais de memória, o que auxilia na
preservação dos bens culturais como um todo, e também a historia local e ao
próprio meio ambiente. Esta ação está voltada para um ensino de História
preocupado com a diversidade cultural e construção de uma escola plural e cidadã.
2 comentários:
Olá Educadora Clarissa, Felicidades para toda sua casa!
Estamos aqui para convidar você a conhecer o Projeto Educadores Multiplicadores. O objetivo é unir e divulgar blog de educadores.
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IRIVAN
Parabéns pelo blog Clarissa!
Temas importantes para os alunos e toda a sociedade. Já estou seguindo o seu blog.
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Abraço
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